A política e o transporte coletivo, uma mistura normalmente prejudicial para os usuários do transporte público, onde os ônibus elétricos, que poderiam representar um marco tecnológico e ambiental para o Brasil, continuam sendo vítimas de decisões políticas de curto prazo.
Em vez de impulsioná-los como solução para a mobilidade urbana limpa e saudável, governantes os transformam em instrumentos de discursos eleitoreiros e promessas vazias.
A falta de investimento em infraestrutura e a constante flexibilização das metas de descarbonização demonstram como a transição energética é refém da politicagem, onde o futuro sustentável é sacrificado por interesses momentâneos.
Projeto de Lei 825/2024: A Manobra Política que Desacelerou o Progresso
O recente Projeto de Lei 825/2024, apresentado pelo presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite, é um exemplo claro dessa mentalidade. Aprovado em primeira votação logo após o fim das eleições municipais de 2024, o projeto propunha ampliar para 30 anos o prazo para a redução de emissões de CO₂ e permitir a compra de ônibus a diesel sem restrições.
Essa medida representou um golpe duro na trajetória de descarbonização e obrigatoriedade de compras de apenas ônibus elétricos para a frota da maior cidade do Brasil.
O projeto original abria uma perigosa brecha para que São Paulo.
Uma metrópole que deveria ser exemplo de renovação de sua gigante frota de aproximadamente 10 mil veículos, por ônibus elétricos e liderar outras cidades, continuasse a permanecer dependente de combustíveis fósseis por décadas. A justificativa era a de “metas estendidas e infraestrutura insuficiente,” um argumento que escancara a falta de planejamento e compromisso com políticas de longo prazo.
Reversão Parcial: Uma Vitória Frágil e Temporária
Diante da repercussão negativa e da pressão popular, o texto do projeto sofreu alterações. A nova versão, finalizada em 09 de dezembro de 2024, reduziu o prazo final para zerar as emissões de 2048 para 2038, ajustando o período de flexibilização de 30 para 20 anos (Com ano base referente à criação da lei 2018).
Além disso:
Pela nova proposta, até 2026, 50% dos ônibus adquiridos poderão ser movidos a diesel. Nos dois anos seguintes, 2026 e 2027, será obrigatório que dois terços das substituições sejam feitas com ônibus menos poluentes que os a diesel, independentemente da tecnologia.
Anteriormente, o projeto determinava que, em qualquer período, para cada ônibus a diesel adquirido, deveriam ser comprados dois ônibus menos poluentes.
O Ciclo de Retrocessos e a Falta de Compromisso
Essa manobra política reflete um padrão recorrente:
Avanços ambientais são fragilmente conquistados e facilmente desmontados.
A aprovação inicial do PL 825/2024, logo após as eleições, revela a estratégia de implementar mudanças controversas em momentos de menor escrutínio público. Quando a pressão popular aumentou, ajustes foram feitos, mas isso não garante que novos retrocessos não acontecerão no futuro.
A desculpa da infraestrutura insuficiente é um reflexo da falta de investimentos históricos e do desinteresse político em criar soluções permanentes.
A Conta Fica para o Futuro
Cada adiamento e flexibilização das metas de descarbonização significam mais:
- Poluição Atmosférica: Que agrava doenças respiratórias e cardiovasculares, especialmente em populações mais vulneráveis.
- Desigualdade Social: Com os bairros periféricos sendo os mais afetados pelo transporte movido a diesel.
- Retrocesso Tecnológico: Enquanto o mundo avança, o Brasil se ancora em combustíveis fósseis.
A aprovação do PL 825/2024, mesmo em sua versão revisada, é um lembrete cruel de como a busca por um futuro sustentável no Brasil ainda está sujeita às vontades e interesses de políticos que pensam apenas no hoje.
Ônibus Elétricos o Brasil são Reféns de Políticas Públicas
O Brasil, um dos maiores mercados de transporte coletivo do mundo, já dispõe de tecnologia de ponta para a produção de ônibus elétricos em larga escala. Grandes marcas globais e nacionais, como Volvo, Scania, Mercedes-Benz, Eletra e BYD, estão prontas para atender à demanda crescente por veículos mais sustentáveis.
A Tecnologia Pronta para Transformar o Transporte Urbano
As principais montadoras e fabricantes de ônibus elétricos já oferecem veículos equipados com tecnologias modernas, capazes de transformar radicalmente o transporte coletivo:
- Ônibus Volvo: Com sistemas elétricos e híbridos amplamente utilizados na Europa, a Volvo oferece ônibus com baterias de longa duração e sistemas de regeneração de energia que aumentam a eficiência e reduzem os custos operacionais.
- Ônibus Scania: A Scania apresenta modelos de ônibus elétricos e híbridos que utilizam baterias modulares, adaptáveis a diferentes rotas e necessidades. Os veículos têm foco na conectividade, com monitoramento remoto para reduzir falhas e otimizar o consumo.
- Ônibus Mercedes-Benz: Os chassis para ônibus elétricos Mercedes Benz, foram amplamente testados e adaptados para o mercado brasileiro, contam com baterias de alta densidade energética e sistemas de climatização eficientes, que oferecem conforto sem comprometer a autonomia.
- Ônibus Eletra: Uma empresa nacional que já produz ônibus 100% elétricos e trólebus, com tecnologias de emissão zero e integração completa a sistemas urbanos.
- Ônibus BYD: Líder mundial em veículos elétricos, a BYD tem uma fábrica no Brasil, em Campinas (SP), que já produz ônibus com baterias de lítio-ferro-fosfato (LiFePO4), conhecidas por sua durabilidade e segurança.
Impactos Diretos na Vida das Pessoas
A adoção em larga escala de ônibus elétricos, com as tecnologias disponíveis, teria efeitos significativos e imediatos na qualidade de vida da população:
- Redução de Poluição e Melhorias na Saúde Pública: Os ônibus elétricos eliminam as emissões diretas de poluentes, como CO₂, material particulado (MP2.5) e NOx, que são responsáveis por milhares de mortes prematuras no Brasil a cada ano. A melhora na qualidade do ar teria um impacto direto na redução de doenças respiratórias e cardiovasculares, diminuindo também os gastos do sistema público de saúde.
- Redução de Ruídos: Veículos elétricos são extremamente silenciosos, melhorando o ambiente urbano e reduzindo os impactos do ruído no bem-estar da população, especialmente em áreas densamente povoadas.
- Eficiência Econômica para as Empresas e os Usuários: Embora o investimento inicial seja maior, os ônibus elétricos oferecem menores custos de operação a longo prazo. Com menos componentes móveis e sistemas de regeneração de energia, a manutenção é mais barata, e o preço das passagens poderia ser mais competitivo.
- Maior Conforto e Modernidade: Tecnologias embarcadas como Wi-Fi, ar-condicionado inteligente, sistemas de monitoramento em tempo real e até carregadores USB já estão disponíveis nos ônibus elétricos. Isso torna o transporte público mais atrativo e competitivo frente a opções privadas.
- Combate às Mudanças Climáticas: Com cada ônibus elétrico deixando de emitir dezenas de toneladas de CO₂ por ano, o impacto na luta contra o aquecimento global seria expressivo. São Paulo, por exemplo, com uma frota de mais de 14 mil ônibus, poderia evitar milhões de toneladas de emissões anuais.
Infraestrutura: Um Retrato do Atraso Político Brasileiro
O maior entrave para a transição está na falta de infraestrutura para recarga e suporte técnico. Para que os ônibus elétricos sejam adotados em larga escala, são necessárias:
- Estações de recarga rápida e em pontos estratégicos: Grandes centros urbanos precisam de um planejamento detalhado para instalar carregadores de alta capacidade, especialmente em terminais e garagens.
- Subestações e redes elétricas adaptadas: O Brasil carece de investimentos para modernizar a rede elétrica em várias regiões, principalmente fora dos grandes centros urbanos.
- Incentivos fiscais e financiamento público: A isenção de impostos para veículos elétricos, além de subsídios diretos para empresas de transporte, é essencial para viabilizar a troca de frotas.
São Paulo Poderia Liderar, Mas Escolhe Retroceder
A maior cidade do Brasil tinha todos os ingredientes para se tornar uma referência global em transporte sustentável, mas decisões como a flexibilização para aquisição de ônibus a diesel mostram o oposto. Essa postura não apenas condena a cidade a mais décadas de poluição, mas também priva milhões de cidadãos dos benefícios que a tecnologia elétrica já pode proporcionar.
Outras metrópoles no mundo, como Bogotá, Santiago e Pequim, já estão liderando a transição com políticas públicas agressivas e infraestrutura robusta. Por que São Paulo, com sua relevância econômica e industrial, escolhe seguir na contramão?
Ônibus com Motores Euro 6 Ainda são Nocivos
A tecnologia Euro 6, em vigor no Brasil e exigida pelo Proconve P8, é um avanço significativo em relação aos padrões anteriores, mas ainda está longe de ser uma solução limpa como os ônibus elétricos.
Mesmo com essa tecnologia, os ônibus a diesel despejam quantidades preocupantes de poluentes na atmosfera:
- Emissões de CO₂: Um ônibus movido a diesel com motor Euro 6 emite, em média, 1,3 kg de CO₂ por quilômetro rodado. Considerando um ônibus que percorre 200 km por dia, são 260 kg de CO₂ por dia ou 94 toneladas por ano.
- Particulados (MP2.5): Os motores Euro 6 reduzem as emissões de material particulado para cerca de 0,01 g/km, mas essa quantidade ainda é crítica. O material particulado é associado a doenças respiratórias e cardiovasculares graves.
- Óxidos de Nitrogênio (NOx): Mesmo com os avanços tecnológicos, os ônibus Euro 6 emitem cerca de 0,4 g/km de NOx. Esse poluente contribui para a formação de chuva ácida e smog, além de afetar diretamente os pulmões.
Quando multiplicamos essas emissões por uma frota de milhares de ônibus circulando todos os dias em São Paulo, os números tornam-se catastróficos.
Trólebus: A Alternativa Sustentável e Viável que o Brasil Insiste em Ignorar
Em meio às dificuldades de transição para ônibus elétricos e à falta de infraestrutura de recarga no Brasil, uma solução que já existe e tem se mostrado eficiente poderia ser resgatada e expandida: o Trólebus.
Amplamente utilizado no passado e com uma infraestrutura já presente em algumas cidades brasileiras, o trólebus vem ganhando força novamente na Europa como uma alternativa econômica, sustentável e prática para o transporte público urbano.
Rede de Trólebus é uma Solução Viável?
O trólebus é um tipo ônibus elétrico que opera com energia fornecida por cabos aéreos (rede de trólebus) através de hastes conectadas ao veículo. Diferente dos ônibus elétricos movidos à bateria, o trólebus não precisa de estações de recarga, pois está constantemente conectado à rede elétrica.
Principais Vantagens do Trólebus:
- Zero Emissões Locais: Assim como os ônibus elétricos, os trólebus não emitem poluentes locais. Eles ajudam a melhorar a qualidade do ar, reduzindo doenças respiratórias e cardiovasculares causadas pela poluição.
- Infraestrutura Mais Simples: Embora exija instalação de cabos aéreos, a infraestrutura para trólebus é menos complexa e menos custosa do que a construção de estações de recarga rápida ou a ampliação de redes elétricas robustas para ônibus elétricos a bateria.
- Tecnologia Comprovada e Confiável: O sistema de trólebus existe há mais de um século e tem sido continuamente modernizado. Cidades como Zurique, Milão, Praga e Atenas continuam expandindo suas redes de trólebus devido à confiabilidade e baixo custo operacional.
- Autonomia Flexível com Híbridos e Baterias: Modernos trólebus podem ser equipados com baterias adicionais que permitem operar em trechos sem cabos elétricos. Isso elimina o problema da falta de flexibilidade e permite que os veículos operem mesmo em situações de interrupções na rede.
- Menor Ruído: Assim como os ônibus elétricos a bateria, os trólebus são extremamente silenciosos, o que contribui para um ambiente urbano menos estressante e mais agradável.
A Europa Está Revivendo o “Trolleybus”
Diversas cidades europeias estão investindo novamente em trólebus como uma solução para o transporte sustentável:
- Milão (Itália): Com uma das maiores redes de trólebus da Europa, a cidade continua expandindo sua frota de ônibus elétricos à bateria e também do tipo Trolleybus para reduzir a poluição urbana.
- Zurique (Suíça): A cidade mantém uma rede eficiente de trólebus, integrada ao seu sistema de transporte multimodal.
- Praga (República Tcheca): Está ampliando suas linhas de trólebus, combinando-as com veículos equipados com baterias para maior flexibilidade.
- Atenas (Grécia): A capital grega opera uma vasta rede de trólebus que atende milhões de passageiros anualmente, contribuindo significativamente para a redução das emissões.
Essas cidades perceberam que os trólebus são uma maneira econômica e eficiente de descarbonizar o transporte público sem os altos custos de infraestrutura dos ônibus elétricos a bateria.
O Brasil e a História dos Trólebus
No Brasil, os trólebus já foram uma realidade mais presente, especialmente em cidades como São Paulo e Santos. A cidade de São Paulo possui uma rede de trólebus que opera desde a década de 1940, mas a falta de investimentos e a preferência por ônibus a diesel fizeram com que essa opção fosse negligenciada ao longo dos anos.
Hoje, a rede de trólebus de São Paulo é limitada, mas ainda opera em corredores importantes, como:
- Corredor ABD: Ligando São Mateus, Jabaquara e Diadema, é um exemplo de transporte eficiente e menos poluente.
- São Paulo – Região Central: Linhas que atendem áreas estratégicas da cidade, oferecendo uma alternativa limpa para milhares de passageiros diariamente.
Com investimentos adequados, seria possível expandir a rede de trólebus e modernizar a frota existente, adotando veículos híbridos com baterias para cobrir áreas não eletrificadas.
Impacto Direto na Saúde e Qualidade de Vida
A insistência em ônibus movidos à combustível tradicional em detrimento aos ônibus elétricos é mais do que uma questão ambiental, mas de saúde pública. Os ônibus a diesel são grandes emissores de material particulado (MP) e dióxidos de nitrogênio (NOx), poluentes diretamente relacionados a doenças respiratórias, cardiovasculares e câncer. São Paulo já enfrenta altos índices de poluição do ar, e essa medida vai agravar a situação.
A saúde da população, especialmente dos mais vulneráveis – crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas – está sendo sacrificada em nome da conveniência e dos interesses de curto prazo.
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